Chico Buarque talvez seja o compositor brasileiro que melhor reúne, nas letras de suas canções, erudito e popular numa mistura híbrida e singular. As melodias e harmonias de suas músicas recebem sempre um tratamento minucioso, tamanho cuidado que interpretar suas composições é um desafio para músico nenhum desmerecer.
A cantora paulistana Mônica Salmaso, que já havia cantado a música “Imagina” no álbum Carioca de Chico Buarque, tomou esse desafio musical para si e agora em 2007 lançou Noites de Galas, Samba na Rua, com as canções de Chico e alguns parceiros. Mônica escalou o grupo Pau Brasil, formado por Nelson Ayres (piano), Paulo Bellinati (violão e cavaquinho), Rodolfo Stroeter (baixo), Ricardo Mosca (bateria e percussão) e seu marido, Teco Cardoso (sax e flauta). O grupo também já gravou com Chico em 1988, o disco A Dança Da Meia-Lua que o mestre das palavras criou em parceria com Edu Lobo. Numa verdadeira noite de gala com o bom samba na rua, o trabalho é fino, a voz de Mônica se entrelaça ao som de cada instrumento, conseguindo não só acrescentar algo novo as canções de Chico Buarque, mas elevando a meditação musical ao mesmo nível da literária.
“Eis o malandro na praça outra vez, caminhando na pontas dos pés, como quem pisa nos corações...” são as primeiras palavras que se escuta na voz de Mônica, é a música “A volta do Malandro” que abre o disco, e talvez trocasse “malandro” por “Chico” não fosse a diferença silábica, ou quem sabe “Francisco” como em “O Velho Francisco” que sucede a primeira faixa. Entretanto os músicos parecem deixar a desconstrução para “Construção” numa sábia atitude de transformar a dificuldade em virtude e assim saíram-se muito bem na inevitável comparação com a gravação original, abrindo espaço até para um sax-ambulância. A “Ciranda da Bailarina” é um pega-pega esconde-esconde, onde os timbres surgem e fogem numa brincadeira de gente grande, “Logo Eu” é transformada por essa menina e seu amigos ao melhor estilo Noel Rosa e Pixinguinha.
Em todo o disco as músicas quase não sofrem alterações harmônicas, o foco está em outros elementos musicais, entre eles a combinação timbrística e variações na condução rítmica, como em “Olha Maria” que tem uma refinada linha de flauta. As texturas são amplamente exploradas, num organizado acompanhamento lado a lado com a voz da cantora. Cada músico parece esperar a sua vez, caminhando assim de viés.
“Quem te viu, quem te vê” é a oitava, dentre as catorze músicas do álbum, e ao motivo da coda que Mônica, na mais fina companhia, fez para a música, fica a curiosidade que vos cabe. É uma obra de arte para ser apreciada e meditada minuciosamente. Uma audição que faz transcender à uma noite de gala em que o próprio Mestre-Chico bate palma com vontade.
Rafael Ribeiro
bacharel em música pela Faculdade de Artes Alcântara Machado
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